Apresentação da nova Ferramenta de cálculo:


A correção monetária acumulada no Brasil é mais uma de nossas jabuticabas! O apelido atribuído a tudo que acontece só por aqui se aplica perfeitamente aos expressivos números da inflação brasileira. É o que pretendo demonstrar neste artigo, aproveitando para apresentar mais uma ferramenta de cálculo, que calcula exatamente o objeto de estudo: a correção monetária acumulada mensal no Brasil.

Em seu discurso de agradecimento pelo prêmio de Economista do ano em 2003, Pérsio Arida, um dos idealizadores do Plano Real, utilizou um argumento inusitado para justificar a taxa de juros de equilíbrio de 8% ao ano no Brasil. “Certas coisas são iguais à jabuticaba, só ocorrem no Brasil”.

Com a correção monetária não foi diferente!

Na brilhante obra de Gustavo Franco, A Moeda e a Lei, cujos trechos são retranscritos a seguir, ele disseca com maestria o que chama de "superlativa experiência inflacionária brasileira", demonstrando como o período entre 1933 e 2013 abriga uma das mais duradouras e virulentas inflações verificadas no planeta, e ressalta a resistência em se reconhecer que o Brasil viveu uma hiperinflação ou algo com carga negativa comparável:

Pode parecer que o flagelo da hiperinflação teve uma aparição efêmera em nossa terra, pois, quando aferido pela nomenclatura técnica mais restrita, foi observado apenas durante quatro meses, como veremos a seguir, na passagem de 1989 para 1990. Entretanto, a duração do período dito de "inflação muito elevada", definida como aquela superior a 100% ao ano, (Fischer, 2002, p. 874) foi de exatos 182 meses, entre abril de 1980 e maio de 1995. (pág. 23)


A profundidade dos efeitos tanto pecuniários quanto simbólicos ocasionados pela hiperinflação sempre apavorou as autoridades brasileiras. (...)

Tal como a bandeira e o hino, a moeda é um dos mais importantes símbolos nacionais, a pátria encapsulada em um pedaço de papel que exibe a efígie dos heróis do país, a iconografia de suas realizações e uma promessa de valor subscrita pelas suas principais autoridades econômicas. (pág. 24)

Na vigência da moeda fiduciária, portanto, a inflação passa a ser uma espécie de signo invertido da autoestima nacional, e suas feridas parecem arder de forma lancinante. (...)


A destruição da moeda funciona como a humilhação de um símbolo nacional, como queimar a bandeira e blasfemar contra o hino, situações que facilmente se tornam intoleráveis para os governos, cujos dirigentes procuram afastar-se do problema, nem sempre com sucesso. (pág 25) (...)


O período aqui compreendido abriga, no Brasil, uma das mais duradouras e virulentas inflações verificadas neste planeta. Essa é uma verdade inconveniente e reconhecida apenas com muita relutância por muitos observadores, conforme se nota a partir de sutilezas como, por exemplo, a estranha contrariedade de se usar o termo "hiperinflação" para descrever o que se passou no Brasil. A definição desse fenômeno - ou do momento no qual essa condição é assumida por uma inflação "muito elevada", até então definida como "crônica", "inercial" ou simplesmente "descontrolada" - é sempre matéria controversa. (...)


A definição mais comum, introduzida no estudo clássico de Philip Cagan, de 1956, considera que a hiperinflação começa no mês em que a inflação atinge 50% mensais e termina após o mês em que a taxa de inflação cai abaixo desse nível e aí permanece por mais de um ano[1]. (...)

A Tabela 1.1 apresente 24 casos documentados de hiperinflação, observado o critério dos 50% mensais e lembrando que esse "corte" pode deixar de fora muitos anos vividos com inflações próximas a 50% mensais e que pouco diferiam do experimentado acima desse nível. Note-se que a contribuição brasileira para essa triste galeria parece modesta, pois se resume apenas a um episódio de quatro meses de duração ao final da Nova República. Todavia, um estudo recente sobre a experiência internacional identifica, no período posterior a 1956, 45 episódios em 25 países de inflações classificadas como "muito altas" ─ aquelas definidas como as que começam no mês em que o acumulado em um ano supera 100% e que terminam quando essa marca deixa de ser atingida por mais de um ano. Esse número arbitrário, segundo os autores, é por eles considerado "suficientemente pertubador (disruptive, no original) para que, na prática, nenhum país possa conviver com ele durante mais que alguns poucos anos" (Fischer, 2002, p.841). (pág 30)

tabela1.1
              (pág 31) 

Na Tabela 1.1, observa-se que, no Brasil, de acordo com essa nomenclatura, a inflação "muito alta" durou 182 meses e acumulou no período o fantástico número de 20.759.903.275.651% [2], o que serve para reforçar a sensação de que a fronteira dos 50% mensais pode não estar capturando a essência da doença [3]. Adicionalmente, vale observar que o Brasil driblou a fronteira dos 50% mensais em diversas ocasiões, pela simples razão de termos feito congelamentos de preços em cinco momentos diferentes entre 1986 e 1991 (...).

Diante desses números superlativos, é curiosa e reveladora a resistência em se reconhecer que o Brasil viveu uma "hiperinflação" ou algo com carga negativa comparável. A palavra proibida, curiosamente, tem sua utilização autorizada apenas nos casos de "inflações explosivas", como as que se verificaram nos quatro últimos meses do episódio da Alemanha na Tabela 1.1, quando acelerou de 137% mensais, em junho de 1923, para 32.400% em outubro; ou na Hungria de 1946, quando pulou de 303% no mês de março para inacreditáveis 4.881 trilhões percentuais em julho (exatos 317% ao dia), a maior inflação jamais registrada no planeta (...) Essa variante mais severa e bem mais rara de hiperinflação teria uma singularidade que reduziria todas as outras à condição de "normais", coisas que acontecem nos países dinâmicos em busca de desenvolvimento. Tudo para diminuir a gravidade do que se passava com o Brasil.

Em total e absoluto contraste com as situações da Tabela 1.1, todavia, o Brasil se apresentava como um caso curioso e incomum de hiperinflação desligada de revoluções, guerras e desastres naturais, ou seja, uma inflação de "tempos de paz" que evolui lenta, insidiosa e traiçoeira, qual doença degenerativa que se agrava principalmente pela falta de cuidado. O que se passava com o Brasil de tão errado? 

O desconforto em considerar comparações do Brasil com os casos mais extremos começa pela ausência de desastres óbvios, mas é preciso observar que não se trata de um pudor escrupuloso e inocente, pois, afinal, reconhecer a existência de uma catástrofe monetária seria como uma rendição à necessidade imperiosa de se levar a política de estabilização à últimas consequências. Para os que enxergavam ─ e muitos ainda enxergam ─ "funcionalidade" na inflação, esse reconhecimento era uma derrota muito difícil de absorver. (pág 32) (...) 

Os amigos da inflação sempre se colocaram na cômoda posição de adversários da "estabilização ortodoxa", e nunca como defensores da coisa em si; talvez apenas uma inflação realmente viciosa ─ e percebida como tal ─ quebrasse esses apoios tácitos, e assim abrisse espaço para a criação de instituições monetárias que pudessem realmente proteger o cidadão de abusos cometidos pelo Estado através da moeda. (pág. 33).  (...)

Considerando o nível de preços para fevereiro de 1939 igual a 1, o nível de preços para o mês de dezembro de 2013 seria de 3.899.566.304.251.250, o que também poderia ser lido com segurança como inflação acumulada do período.
O mesmo exercício feito para o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cujo primeiro mês de apuração é fevereiro de 1944, indicaria o nível de preços em dezembro de  2013 em 5.374.614.136.378.920, valendo o mesmo raciocínio para a inflação acumulada, ambas no terreno do quatrilhão e não deixando qualquer dúvida sobre a extraordinária magnitude dos números para a inflação naqueles anos. (pág 34) (...)

É interessante observar que, em boa medida, a importância da "taxa de câmbio" conectando as duas moedas em sequência tem sido associada à aparentemente pueril necessidade de cortar zeros. (pág 36) (...)

Essas cifras extraordinárias bem ilustram a magnitude da experiência inflacionária brasileira, e também a indiscutível conveniência das diversas rodadas de "corte de zeros", que funcionaram como a troca de fraldas de uma moeda jovem, e na ausência das quais os pagamentos em espécie teriam que ocorrer com ridículas cédulas de trilhão ou quatrilhão ─ ou com carrinhos de mão repletos de papel-moeda, como na icônica imagem da inflação alemã em seus estertores no verão de 1923. (pág 37) (...)

Não apenas tudo se torna visivelmente confuso durante a inflação, nada permanece certo e inalterado por uma hora que seja, mas também cada homem, como indivíduo, se torna menor. O que quer que ele é ou era, como o milhão que desejou, ele se torna um nada. Todos possuem 1 milhão, e todos são nada. Pode-se caracterizar a inflação como uma orgia satânica de desvalorização na qual homens e unidade monetárias confundem-se da maneira mais estranha. Um representa o outro; o homem sente-se tão mal quanto o dinheiro, ... e, juntos, sentem-se igualmente desprovidos de valor (Canetti, 1984, p.186). 

Cortar zeros para ocultar o vexame, salvar a face, escamotear a memória e evitar um desconfortável confronto com nossos próprios erros.  A memória é essencial para existência de "dívida" em sentido amplo, o próprio "pecado", algo que desequilibra a existência e precisa ser expiado ou amortizado. (pág 38) (...)

Ao observador estrangeiro sempre causou grande impressão a capacidade de o país exibir uma estranha normalidade mesmo na presença de índices de inflação considerados insuportáveis ou impensáveis em qualquer parte do mundo, e até no Brasil do século XXI. Mesmo diante de uma inflação altíssima e crônica, era comum ouvir-se que ela era estável, neutra, previsível, parte da rotina e, portanto, "sem lágrimas" (Fishlow, 1974). (pág 40)

Após esse excelente estudo de Gustavo Franco, entendo que o tratamento dado à inflação alta no Brasil ─ não só no combate como também na forma de chamá-la ─ foi determinante para que a depreciação da moeda no nosso país seja considerada aqui mais uma de nossas jabuticabas. 

E para você se familiarizar com esse problema da correção monetária eu concluo este artigo apresentando a mais nova ferramenta produzida no blog.

Para que você veja, na prática, qual foi a variação da correção monetária acumulada no Brasil em um período a partir de março de 1986, o blog tem uma nova ferramenta que efetua este cálculo.

→ Variação mensal acumulada da correção monetária on-line

[1] Buscava-se uma definição pela qual a hiperinflação não se interrompesse em razão de motivos efêmeros, como congelamentos de câmbio ou de preços, que mantivessem baixa a inflação artificialmente e apenas por breve período de tempo. Na verdade, na maior parte dos casos conhecidos de hiperinflação, há interrupções desse tipo, que devem ser vistas apenas como pausas fortuitas na marcha da inflação. Nos episódios estudados por Fischer foram deliberadamente excluídos dos casos de hiperinflação aqueles em que os 50% mensais foram ultrapassados apenas uma vez, normalmente em episódios de liberalização de preços em economias ditas "em transição".

[2] Dentre os 45 casos mencionados de "inflação muito alta", O Brasil registra o segundo episódio mais longo, pouco mais de quinze anos, logo à frente do Congo, com cerca de catorze anos, e perdendo apenas para a Argentina, onde a doença durou mais de dezessete anos (cf. Fischer et al., 2002, p. 845).

[3] Michael Bruno está entre os que acham que 25% ao mês seria uma fronteira mais apropriada. De acordo com essa métrica o Brasil teria estado em hiperinflação continuamente durante os sete anos anteriores a julho de 1994 (cf. Bruno, 1993, p.4).


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